Passei por ele lá pelo final da manhã quando me dirigia para o serviço. Ele estava compenetrado, tinha acabado de arrumar os livros em cima de um papelão. Não era bem um menino, tinha cerca de 17 anos, mas para mim, era um menino. Parecia que tinha ganho aquela caixa de livros do tipo ‘encalhados” de alguém e agora ia tentar vender. Não consegui ver o título dos livros, mas eram finos e todos iguais. Com a voz animada anunciou :”-Um é três reais, dois é cinco !”. Peguei o metrô.
Na porta do serviço um piquete de três pessoas impediam ninguém de entrar...funcionário público não serve nem para fazer greve ! O dia passou, fui embora , passei no mercado, e entrei na rua onde moro. Para minha surpresa lá estava o menino! Desde aquela hora estava na rua, tentando vender os livros. Parecia que todos os livros ainda estavam lá e o menino recebia um pacote de petiscos de milho de alguém, petiscos do tipo que não alimentam ninguém. Aqui onde moro as pessoas são solidárias com quem está na rua, vendendo, oferecendo algo para fazer, uns dão comida, outros passam adiante sem olhar, mas não há maus tratos. Esta é a marca registrada do Rio de Janeiro : a mistura das cidades partidas. Elas existem, coexistem, resistem.
Passei por ele pensando na janta, mas não consegui seguir adiante. Aquele menino nada tinha vendido e estava ali há muito tempo, há muitas horas oferecia os livros sem que ninguém os comprasse. Peguei dez reais em meu bolso, dei meia volta e pedi: “-Me dá quatro livros, quando eu passei aqui pela manhã eram dois por cinco, ainda é assim ?” O menino abriu o mais bonito sorriso do mundo! Seus olhos brilharam: “-É moça!” , e me deu quatro livros . Quando pegou o dinheiro ele olhou para mim, ainda estava sorrindo, sorria com os olhos , com a boca e com a alma! Olhei para os seus olhos e nunca mais vou esquecer o brilho, a vida , a alegria que ofuscou todo o resto da vida na terra naquele momento.